Olhamos e recordamos.
É isso o que nos acontece quando visitamos este conjunto de fotos de Marcelo Greco: os tempos se misturam.
Reminiscências de outros tempos invadem o presente, com insistência.
Mesmo que se queira, não se consegue se livrar das representações que constroem a partir do vivido. Elas aparecem e se interpõem em nossas experiências.
O mais comum seria ver o que se sabe, mas, às vezes, outras lembranças aparecem, nos assombrando, dificultando o ver; ver o que está diante de nós.
Elas estão sempre se fazendo presentes, perseguindo, assaltando o momento presente, obrigando-nos a duvidar do que estamos vendo:
– Então é isso?
– vejo ou me lembro?
LUGAR
Não é possível acreditar no que se mostra como existente nas fotos desta coleção. O que vejo me escapa como compreensão.
Há sempre insuficiência.
Elas não são imagens de sonhos.
Elas não têm histórias para contar, embora todas elas tragam a marca do passado.
São imagens sem cicatrizes, embora guardem lembranças de um passado;
são seleções de esquecimentos.
Prefiro dizer, são imagens para sonhar.
E isso é muito diferente.
Aliás, acho que estas fotos de Marcelo Grecco não querem pertencer à existência ordinária :
O que elas oferecem é exatamente um não -lugar.
Elas oferecem um não-visto.
Elas não se dão de imediato, o entendimento está sempre adiado.
Elas são imagens de um território que não se pode nomear, de um território que não se pode reconhecer.
Contrariam a idéia de existência única. Fazem-nos perseguir o que é inalcançável, e com essa procura, acabamos fazendo ficção.
Acontece uma mágica nessa errância, nessa busca de sentido ; olhando estas fotos, surge a possibilidade de se experimentar no olhar do outro.
Aliás, a arte possibilita que se possa escrever a identidade no plural: apreendemos que, às vezes, é preciso ser um outro para se ser si mesmo.
Às vezes dá até vontade de mentir.
Mentir para se ter um destino, mentir para se ter um futuro.
Lembro-me de ter lido que “quem dança não é aquele que levanta a poeira, mas aquele que inventa seu próprio chão” (Sophia de Mello Breyner Andresen).
O conjunto destas fotos faz um lugar.
A temporalidade neste conjunto de fotos não é a do acontecimento, os elementos que compõem as imagens estão lá para anunciar o ambíguo.
O jogo proposto é para se sustentar o enigma.
ENTRE PERCEPÇÃO E PENSAMENTO
as sombras
O jogo aqui é de descobrir os pensamentos que as sombras guardam, atravessar as evidências do que é o visível.
Às vezes , quando contemplo estas fotos, tenho a sensação de enxergar algo, mas acabo me perdendo na compreensão, meus olhos perdem-se no que poderiam ter discernido.
Acontece que vagamos aí.
Vagamos em muitas coisas que conhecemos, numa vastidão imensa.
Não encontramos semelhanças.
No escuro das sombras há mensagens que estão a meia distância entre percepção e pensamento.
Elas, as sombras, mostram-se visíveis a todos que prestam atenção.
São sombras tão intensas, tão densas, que as luzes que se fazem ver perto delas ganham dramaticidade e potência.
As cores que se mostram perto delas parecem desesperadas.
AS CORES
As fotos de Marcelo Grecco nos levam a um lugar onde trabalhamos com abstrações.
Se esse lugar é um exílio, por sorte podemos de lá retornar.
Retornamos de lá com as imagens, com as lembranças, impregnadas das cores, do encantamento.
O que ilumina esse lugar são luzes noturnas.
Luzes que constroem sonhos inquietantes; sonhos que alteram as operações do pensar.
Sergio Fingermann